14 de mai. de 2012


A alegria da escrita

Para onde corre essa corça escrita pelo
                                                    [bosque escrito?
Vai beber da água escrita
que lhe copia o focinho como papel-carbono?
Por que ergue a cabeça, será que ouve algo?
Apoiado sobre as quatro patas emprestadas
                                                         [da verdade
sob meus dedos apura o ouvido.
Silêncio - também esta palavra ressoa pelo papel
e afasta
os ramos que a palavra "bosque" originou.

Na folha branca se aprontam para o salto
as letras que podem se alojar mal
as frases acossantes,
perante as quais não haverá saída.

Numa gota de tinta há um bom estoque
de caçadores de olho semicerrado
prontos a correr pena abaixo,
rodear a corça, preparar o tiro.

Esquecem-se de que isso não é a vida.
Outras leis, preto no branco aqui vigoram.
Um pestanejar vai durar quanto eu quiser,
e se deixar dividir em pequenas eternidades
cheias de balas suspensas no voo.

Para sempre se eu assim dispuser nada aqui
                                                              [acontece.
Sem meu querer nenhuma folha cai
nem um caniço se curva sob o ponto final de
                                                            [um casco.
Existe então um mundo assim
sobre o qual exerço um destino independente?
Um tempo que enlaço com correntes de signos?
Uma existência perene por meu comando?

A alegria da escrita.
O poder de preservar.
A vingança da mão mortal.

Wislawa Szymborska


Dizem que a Polônia é o país da poesia.
Certamente há alguma verdade nesta
afirmação. No curto período de dezesseis
anos, apesar das dificuldades da língua
polonesa para o leitor estrangeiro - uma
língua repleta de grupos consonantais que
intimidam, à primeira vista, quem se aventura
a tentar decifrá-los -, dois poetas poloneses
ganharam o prêmio nobel: Czeslaw Milosz
em 1980 e Wislawa Szymborska em 1996.
Dizem que a premiação do Nobel tem
motivações políticas. Disseram isso a
respeito de Milosz, que vivia no exílio, nos
Estados Unidos, e cuja premiação coincidiu
com as greves do sindicato Solidariedade na
Polônia, início da derrocada do comunismo.
Mas que motivações políticas poderia ter a
premiação de Wislawa Szymborka, uma
mulher discreta, avessa a viagens e badalações
literárias, pouco conhecida fora da Polônia
quando foi premiada? E como explicar que,
desde a premiação, sua poesia tenha ultrapassado
a barreira da língua e ganhado o mundo, traduzida
para os mais diversos idiomas? (...)

Parte do prefácio do livro Wislawa Szymborska
[poemas], por Regina Przybycien.

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