27 de abr. de 2011

Ganhei de uma amiga dois livros de autores húngaros,
Libertação do escritor Sándor Márai e Liquidação de
Imre Kertész. Os dois são tristes, tristes mas escritos de
uma maneira maravilhosa, isto traduzidos,
imaginem no original.
Trecho abaixo do livro Liquidação.

" Enquanto observava os desabrigados, Amargo de súbito
percebeu que mais uma vez observava os desabrigados.
Sem dúvida, ultimamente Amargo dedicava muita atenção
aos desabrigados. Era capaz de dissipar - na verdade, de seu
tempo sem valor - até meias horas à janela, fascinado como um
voyeur, que não consegue se desligar da visão obscena estendida
em sua frente. Além disso, a posição de espreita sensual era
acompanhada em Amargo de uma culpa, uma aversão enojada
que por fim resultava num medo da existência, numa angústia
nauseante. No instante em que a angústia ganhava contornos
inconfundíveis, Amargo, como se tivesse alcançado o objetivo
mais obscuro de seu ato obscuro, dava as costas à  janela,
satisfeito,  e se dirigia à mesa, onde se espalhavam diversos papéis
datilografados, revirados e dispersos, como pássaros mortos.
  
O próprio Amargo sabia que , na ligação imperiosa que,
ultimamente, a despeito de sua consciência e discordância,
estabelecera com os  desabrigados, havia algo de preocupante.
Na verdade, sofria como se fosse de uma doença. Deveria decidir
deixar de se aproximar da janela. Ou somente se aproximaria dela
pela necessidade de arejar o quarto ou por razão assim prática.
Porém, depois, de súbito se surpreendia de novo à janela a
observar os desabrigados." 

Imre Kertész, nasceu em Budapeste em 1929.
Aos quinze anos, foi deportado para Auschwitz e depois
para Buchenwald onde o libertaram em 45. De volta à
Hungria, trabalhou como jornalista e traduziu obras de
Nietzsche, Wittgenstein, Joseph Roth, Elias Canetti e
Freud. Dele, a companhia das Letras publicou
a coletânia de conferências A Lingua Exilada,
que inclui seu discurso de agradecimento
pelo Prêmio Nobel de 2002.

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